sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O que Euclides da Cunha faria?

(Texto colaborativo com Caio Araujo e Letícia Flávia. Nomes e lugares são meramente ilustrativos)

Ao entrar no apartamento 203, Augusto Lacerda bate a porta fazendo tremer os vidros das suas janelas. São 23h10 e acaba de voltar de uma entrevista frustrada com um deputado. Deveria fazer um perfil do sujeito para o jornal no qual escreve aos domingos - depois de malogradas tentativas de incursão no meio literário. Sua Senhoria fora bastante monossilábico e um tanto quanto cínico em relação às suas respostas. O comportamento do político foi de dar azia em sal de frutas.

Para acalmar os ânimos serve-se de uísque 12 anos com dois cubos de gelo. Presente de uma amiga que o visitava vez ou outra.

Sobre o sofá de chenille jaz uma longínqua edição do Diário da Manhã. Já sentado no móvel vagabundo, Lacerda folheia o periódico e encontra um de seus primeiros perfis. “Entrevistas boas são como a que fiz com o Valdivino Nunes, aquele músico, que me contou até o que eu não queria saber em uma hora e meia. Basicamente o deixei falando e anotei tudo num guardanapo de pano, que guardo até hoje”, relembra.

Quando está em casa, Lacerda segue um ritual para a criação de seus textos. Além do uísque sobre a mesa de mogno, acende um charuto panatela curto, corta-o displicentemente, traz um cinzeiro para perto, pega o bloco de anotações, relembra dos pormenores, tira uma pilha de folhas da gaveta e datilografa silenciosamente suas primeiras linhas, em uma antiquada e ruidosa máquina de escrever. Às vezes, coloca um vinil de Miles Davis, ou Etta James, para tornar o ambiente propício à sua arte, digamos.

De repente, Lacerda parece transmutar-se em Hemingway, e as matérias fluem entre seus dedos com aparente facilidade. “O jornalismo tem dessas coisas de linha de produção, em que você tem que demonstrar resultados constantemente. Mas eu não consigo me desvencilhar dessa visão antiga, romântica e boêmia da profissão”, admite.

Entretanto, escrever não é uma tarefa tão simples. Lacerda se esforça para burilar cada trecho e fazer-se entendido pelo leitor comum, sem deixar escapar a essência dos fatos, nem deturpar as falas alheias. Quando se sente bloqueado, recorre a livros de Gay Talese ou Truman Capote. “O que Euclides da Cunha faria numa situação dessas?”, pergunta-se em alguns pontos-chave complicados. Mas tudo se acerta e acaba bem no fim das cinco laudas. Nem sempre para o entrevistado, como o deputado cujo nome escrito na última linha rendeu-lhe um processo judicial por calúnia e difamação, além do titulo de ex-deputado, pela repercussão da matéria.

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