terça-feira, 22 de abril de 2008

Você.

Você
é brasa que arde sob a pele.
Junto a você, fico ofegante,
mal consigo respirar.
Meu corpo se entorpece,
não tenho cabeça pra mais nada.
O tempo pára, e eu só consigo te sentir.
Tudo por causa de você.
Sua gripe safada.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Para Estefânia

E lá vai ela, selvagem e impulsiva, adentrando os 19. Marca ingrata, absurda, aguda e cruel que os anos fazem sobre o indivíduo. Análise numerológica: 1+9=10. 1+0=1. É o início de um novo ciclo, ou o reinício do mesmo, em seu eterno retorno.
Ninguém nunca me avisou que ter dezenove era pior do que ter treze, ou dezessete, idades igualmente críticas. Mas, no fim das contas, a gente sai desse período com a cabeça erguida, sabendo que podem vir as tropas napoleônicas pra cima que nós estraçalhamos numa só dentada. Isso eu falo mesmo ainda faltando um mês e meio pra já adentrar a casa dos jurássicos e deprimentes Vinte.
Neste exato momento, toca "When I Grow Up" do Garbage nos meus fones de ouvido. Quando eu crescer, eu serei estável. Quando eu crescer, eu transformarei tudo. Isso é o que Shirley Manson me diz e eu ouço até hoje, acatando admirado, crente que um dia eu farei jus a essas frases. E eu lhe digo: curta seus dezenove da melhor e da forma mais selvagem possível. E lembre-se: você ainda é uma teenager (nineTEEN). Isso pode ser usado em seu favor.
Mas também, quem sou eu pra lhe dizer alguma coisa!

Senhas

São dez pras cinco da tarde e eu arrumo as senhas para o atendimento dos clientes do dia seguinte. Todas emaranhadas numa pequena caixa de papel. É quase sempre nesse horário que me lembro de organizá-las. Misturam-se vontade de sair o mais rápido possível e ponderação sobre adiar as tarefas de amanhã. Meu ímpeto principal é o de deixar as coisas inacabadas, esparsas, jogadas por aí. É assim com muitas coisas. O amanhã, ora essa, não existe: é apenas um conceito pra permitir que o homem seja coerente, de alguma forma. Mesmo que seja na sua incoerência.

Oitenta e três, oitenta e dois, oitenta, setenta e sete, vinte e cinco. Junto tudo em pequenos montes, pra depois colocar tudo no devido lugar, em ordem crescente. Lembro-me da época em que roubaram a senha um. Quando o primeiro da fila, às sete da manhã, pegava a senha dois, exclamava: "nossa, que eficiência! o atendimento mal começou e uma pessoa já concluiu seu processo inteiro!". Quer dizer, devia exclamar. Eu exclamaria. Whatever.

Enquanto isso, os funcionários todos já se reúnem em volta do relógio de ponto. Eu os observo com o canto dos olhos, murmurando qualquer coisa dos Eurythmics. I should've known better, but I trusted you at first. I should've known better, but I get what I deserve, uo-uo-uo-uou. Mas quando o sinal toca, o amanhã pouco importa mesmo. As senhas ficam lá, do modo que estiverem. Afinal, a ordem dos fatores não muda o resultado da operação mesmo.

Metalinguagem

Cá estou eu, nesta sala gelada e impessoal, cheia de gente. Um ruído grave de ar condicionado toma o ambiente. O cheiro me lembra algo de industrial. Neste ambiente, sento-me a este computador velho com meu MP3 player e escrevo. Escrevo sobre o que me invade e toma conta. Sobre todas as emoções clandestinas que fazem assentamentos na minha mente e lá permanecem, exigindo consideração até que chegue uma força coercitiva ou redentora.
Escrevo sobre mim, sobre você, sobre nós e sobre os outros. Para mim e para todos.
Principalmente, pra você.
Espero que essas parcas linhas lhe agradem.

Águas barrentas

Quando o choque veio, não havia me preparado. De repente, me vi lutando para respirar entre os escombros de uma vida até então muito distante de mim. Como reação, veio o instinto (auto)destruidor. Aquela dor necessária precisava ser impedida. Uma anestesia ou somatização qualquer, por favor.
Mas, após atingir o fundo, consegui enxergar que estava me afogando em um lago que dava pé. Apenas não enxergava porque eram águas turvas, barrentas.
A solução? Primeiramente, seria boiar, me entregando ao acaso. Ou então me erguer e aguardar pacientemente o bote salva-vidas.
E não é que ele parece vir?

terça-feira, 15 de abril de 2008

No início, era o verbo.

Foda-se, eu não agüento, ele disse. E tudo se transformou ao redor. Pela primeira vez, ele admitia que não era nenhum ser sobrenatural que agüenta todo o peso do mundo com um sorriso no rosto, e passava a aparentar ser uma pessoa normal. Como ele de fato era. Os céus se abriram com sua palavra libertadora. Foda-se, não é nada de mais, não é nem mesmo um palavrão. É a mera concretização do desapego. Não se pode ter o controle de tudo, afinal. E quem foi mesmo quem disse a ele que deveria ser este Grande Responsável por Tudo? Deste momento em diante, ele foi outro. Limites estabelecidos, seus fantasmas se foram. Se um verbo o tornou livre, porque outros termos não ajudariam?
Afinal, o vai-à-puta-que-o-pariu e o vai-tomar-no-olho-do-seu-cu não devem ter sido criados à toa.

Arquetípico

Na rua deserta, passo pelo muro com o reboco caído que um dia já simbolizou minha dor. Ainda tenho a foto. Minhas mãos longas tocam a ferida da parede como se fossem a minha própria. Nada de físico, apenas abstração. A baixa resolução do arquivo dava conta do resto. Hoje, já não me disse mais nada. É apenas um muro maltratado numa rua suja e esquisita. Tocá-lo não é mais nada de arquetípico. Deixar de fazê-lo é apenas sensato. E eu sigo em frente. Não tão resoluto, mas resiliente.

Peixes em cativeiro

Plantado neste escritório, quero desaparecer. Brota em mim um desejo intenso de sumir por entre as letras de todos os protocolos e planilhas. Quero enfiar a cabeça na camisa social e partir para uma existência paralela, como no clipe dos Chemical Brothers. Mas, neste momento, sou Vishnu, criando tudo com meus múltiplos braços e sendo sugado por todos aqueles que anseiam, simultaneamente, por ócio e remuneração. Cínicos. Tédio, raiva contida e autoindulgência se misturam: isso é o pior de ter lua e marte em Peixes, em conjunção. E, claro, passar dez horas do meu dia enfurnado aqui. No fim, tudo se resume a uma frustração esperançosa.

Esperançosa em dar o fora, claro.