quarta-feira, 16 de abril de 2008

Senhas

São dez pras cinco da tarde e eu arrumo as senhas para o atendimento dos clientes do dia seguinte. Todas emaranhadas numa pequena caixa de papel. É quase sempre nesse horário que me lembro de organizá-las. Misturam-se vontade de sair o mais rápido possível e ponderação sobre adiar as tarefas de amanhã. Meu ímpeto principal é o de deixar as coisas inacabadas, esparsas, jogadas por aí. É assim com muitas coisas. O amanhã, ora essa, não existe: é apenas um conceito pra permitir que o homem seja coerente, de alguma forma. Mesmo que seja na sua incoerência.

Oitenta e três, oitenta e dois, oitenta, setenta e sete, vinte e cinco. Junto tudo em pequenos montes, pra depois colocar tudo no devido lugar, em ordem crescente. Lembro-me da época em que roubaram a senha um. Quando o primeiro da fila, às sete da manhã, pegava a senha dois, exclamava: "nossa, que eficiência! o atendimento mal começou e uma pessoa já concluiu seu processo inteiro!". Quer dizer, devia exclamar. Eu exclamaria. Whatever.

Enquanto isso, os funcionários todos já se reúnem em volta do relógio de ponto. Eu os observo com o canto dos olhos, murmurando qualquer coisa dos Eurythmics. I should've known better, but I trusted you at first. I should've known better, but I get what I deserve, uo-uo-uo-uou. Mas quando o sinal toca, o amanhã pouco importa mesmo. As senhas ficam lá, do modo que estiverem. Afinal, a ordem dos fatores não muda o resultado da operação mesmo.

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